domingo, 2 de novembro de 2025

Uma crônica para o Dia de Finados


Há datas que não se explicam, apenas se sentem. O Dia de Finados é uma delas. Não é um dia de luto, ainda que nele a saudade tenha lugar cativo; é um dia de lembrança — e, sobretudo, de amor. Em meio às flores que repousam sobre as lápides e às preces que se elevam silenciosas, há algo que ultrapassa qualquer doutrina, religiosa ou não: a certeza de que o vínculo humano, quando é verdadeiro, não se desfaz nem mesmo diante da morte.

Neste dia intenso e cheio de significados, o cemitério deixa de ser apenas um território de ausência. Ele se torna um espaço simbólico onde a vida dialoga com a eternidade. É ali que os passos lentos dos que visitam os túmulos, jazigos e mausoléus se misturam a uma ternura que, paradoxalmente, reafirma o sentido de existir. Porque quem chora um amor que partiu, no fundo, celebra a beleza de tê-lo vivido.

Em um de seus poemas, Fernando Pessoa escreveu que “a morte é a curva da estrada, morrer é só não ser visto”. Em sua aparente simplicidade, essa frase encerra uma verdade que conforta: o que amamos não se apaga, apenas muda de forma. A lembrança, a voz que ecoa na memória, o gesto que reaparece em nós sem percebermos — tudo isso é a continuidade invisível dos que amamos. Em cada vida que segue, há sempre um pouco daquelas que ficaram no caminho.

O Dia de Finados, portanto, não deve ser um convite à tristeza paralisante, mas à serenidade. A saudade tem o direito de existir — e também o dever de se transformar. Ela é, em certo sentido, o modo mais delicado de o amor continuar. Mas é preciso permitir que esse amor nos ensine a seguir. Porque os que partiram, se pudessem nos dizer algo, talvez repetissem o que Guimarães Rosa um dia escreveu: “As pessoas não morrem, ficam encantadas.”

E é desse encantamento que nasce a força para continuar vivendo. Há, nesse equilíbrio entre a ausência e a presença, uma sabedoria antiga: honrar os que se foram não é aprisionar-se à perda, mas prolongar a vida deles por meio dos nossos gestos, das nossas escolhas, da nossa bondade. Assim, cada ato de amor que praticamos é uma forma silenciosa de ressurreição.

Hoje, diante da memória dos que amamos, podemos olhar para o céu — ou para dentro de nós — e dizer com gratidão: “obrigado por ter existido”. Porque o amor, quando verdadeiro, não cabe em um só plano existencial. Ele atravessa a morte, e volta, de um jeito ou de outro, para nos ensinar a viver melhor.

No fim, o Dia de Finados é um espelho de duas faces, em que vemos, ao mesmo tempo, o passado que amamos e o futuro que ainda temos a construir. É um lembrete manso de que a vida continua, e que o maior tributo que podemos oferecer aos que se foram é continuar — com gratidão, com coragem e com fé — a sermos dignos do amor que deles recebemos.

Paixão e resistência


Santo Vidal, o ciclista de Xapuri que superou adversidades e virou símbolo do esporte no Acre

No último dia 25 de outubro, um dos mais importantes representantes do ciclismo acreano realizou um feito para ele impensável até pouco tempo, antes de retornar às competições depois de um hiato de quase 20 anos. Santo Vidal conquistou o vice-campeonato estadual na categoria Master — para atletas acima dos 50 anos de idade — após vencer as últimas duas etapas do certame realizadas no circuito da avenida Amadeo Barbosa, em Rio Branco.

Ao retornar a Xapuri após as provas, ele participou de entrevista na Rádio Aldeia FM, onde fez uma retrospectiva da sua carreira e demonstrou um entusiasmo incomum para quem é tão acostumado com vitórias. Títulos na trajetória do xapuriense se tornaram rotineiros ao longo dos anos. Elencando apenas os mais importantes, foram 8 Campeonatos Acreanos de Ciclismo consecutivos, 14 medalhas de ouro na Copa Norte/Nordeste, sendo duas na categoria Elite e 12 na Master A e ainda uma Volta de Goiás na categoria de Montanha.

A volta de Vidal às pistas é repleto de simbolismos e motivações pessoais que remetem à sua história de vida no interior do Acre, mais precisamente na rua Major Salinas, em Xapuri, um celeiro de histórias locais onde o barulho das bicicletas sempre se misturou aos sons que vinham das barrancas do Rio Acre. Foi ali, nas margens do icônico manancial acreano que nasceu e cresceu o menino inquieto e determinado, no distante ano de 1972.

A ligação com rio veio do berço. Seu pai, Adelmo Vidal, era pescador; mas também trabalhou no hospital, na igreja de São Sebastião e no colégio Divina Providência. A mãe, dona Júlia, uma tradicional dona de casa acreana que — como tal — tinha como grande dedicação o lar e a família. Com eles, Santo aprendeu desde cedo que resistência era questão de sobrevivência — e que, assim como o rio que marcou a sua infância, jamais poderia parar de correr para se realizar como homem.

“O Rio Acre me ensinou a ser forte. Eu pescava com meu pai, nadava o dia inteiro, sempre tive uma ligação forte com o rio. Lembro-me que tinha uma canoa, que os meninos da rua chamavam de ‘Navio do Simbad’ [o famoso marujo da literatura estava em evidência em filmes que eram exibidos na recém-chegada televisão ao vivo a Xapuri]. A brincadeira me irritava, mas ali naquela pequena embarcação comecei a entender o valor do esforço, do equilíbrio e da persistência”, lembra.

Além da canoa, a bicicleta foi outra presença naqueles tempos da transição entre a infância e a adolescência. E foi pedalando pelas ruas do lugar onde nasceu que Santo descobriu a paixão que moldaria sua vida. O ciclismo, esporte caro e de difícil acesso, parecia distante demais para um menino simples de Xapuri — mas a vontade foi maior. Durante 14 anos de dedicação intensa, acumulou títulos no Acre, em diversos estados do Brasil, especialmente no eixo Norte-Nordeste, e até fora do país, se tornando um dos maiores ciclistas do Acre que também ajudou a organizar e consolidar o esporte no estado e também em outras unidades da federação.

“Minha história desde o início foi uma luta muito grande. Eu vinha de uma família simples, sem recursos, e o ciclismo sempre foi um esporte caro — bicicleta, peça, manutenção, viagem. Tudo custava mais do que eu podia pagar. Mas a gente nunca desistiu. Representar Xapuri e o Acre era uma missão. Eu pedalava por mim, pelos meus pais e por todos os meninos que achavam que não tinham chance. E a gente conseguiu mostrar que o Acre tinha força no pedal, que daqui também saem campeões”, afirma.

A lição de Campos Pereira

Um dos maiores incentivadores da trajetória de Santo foi o saudoso radialista Campos Pereira, entusiasta do esporte e figura decisiva na consolidação do ciclismo no estado. Ele relembra um episódio que resume a generosidade do amigo:

“Uma vez eu ia competir em Manaus, e um político tinha prometido a passagem, mas não cumpriu. Eu só fui descobrir depois que o Campos tinha comprado do próprio bolso, parcelado em dez vezes. Ele sabia que aquela viagem não era em vão”, conta.

Naquela disputa, que os acreanos acompanharam ao vivo pelo Amazon Sat, Santo enfrentou problemas com a bicicleta e não obteve o resultado esperado. No ano seguinte, ficou em segundo lugar. No terceiro, foi campeão.

“Depois o Campos me disse: ‘olha só se eu não tivesse feito aquele investimento’. Por isso sou muito grato a ele por tudo o que consegui conquistar para o nosso estado e para o nosso município”, ressalta.

Parada e renascimento após uma perda dolorosa

Após parar de competir, Santo passou 18 anos afastado do ciclismo. O corpo sentiu: o peso quase dobrou, de 68 para 115 quilos. Mas o que mais pesava era o vazio emocional deixado pela morte precoce de Elizete, sua esposa e grande incentivadora.

“Ela sempre dizia pra eu voltar a pedalar. Só depois que ela se foi é que entendi o quanto isso fazia falta pra mim. O esporte é pro corpo e pra mente”, afirma, com a voz embargada.

A bicicleta, então, voltou a ser, segundo suas palavras, um  remédio físico e espiritual. O retorno às competições veio neste ano, na categoria Master, e logo os resultados começaram a aparecer. Em setembro passado, Santo foi campeão de uma prova de Mountain Bike em Puerto Maldonado, no Peru. No último fim de semana, no encerramento do Campeonato Acreano de Ciclismo, quando sagrou-se vice-campeão na sua categoria, venceu as provas Contra o Relógio e de Circuito.

Em novembro, ele volta ao Peru, onde disputará, em Cuzco, uma competição de speed — modalidade de ciclismo de estrada, focada em alta velocidade em vias pavimentadas. Ele diz que na bagagem, além das bicicletas e equipamentos, leva uma nova motivação:

“Hoje, o que me move é inspirar os jovens. Quero que eles entendam que o esporte transforma, que é caminho de disciplina, saúde e orgulho pela nossa terra.”

O retorno às origens e o reencontro com Xapuri

De volta a Xapuri desde 2006, onde vive com o casal de filhos, Juliana e Erick, e com o genro Kevin, Santo Vidal encontrou apoio em velhos amigos, que o ajudam, cada qual à sua maneira, a manter-se nas competições, e na Prefeitura do município, que tem se disponibilizado a dar suporte à sua continuidade no esporte.

“O carinho do povo daqui é o que me dá energia. Sempre sonhei em viver e morrer aqui. É o lugar onde me reencontro.”

Com a voz de quem já viu o tempo girar como a roda de sua bicicleta, Santo resume sua jornada com simplicidade:

“A máquina estava só empoeirada, mas a memória muscular ficou. O corpo pode cansar, mas o amor pelo ciclismo e por Xapuri nunca enferruja.”

A bicicleta, para ele, segue sendo mais que um instrumento de esporte. Mais do que uma companheira de estrada, uma ponte entre o menino que sonhava na beira do rio e o homem que pedalou para transformar sonhos em conquistas.

sábado, 1 de novembro de 2025

De Xapuri À Voz do Brasil


Produtora acreana completa 40 anos na EBC e relembra trajetória marcada por persistência e amor ao rádio

A acreana de Xapuri Rosineide Evangelista da Costa completou, em setembro passado, 40 anos de dedicação à comunicação pública. Produtora da tradicional Voz do Brasil, programa de rádio mais antigo do país e do hemisfério sul ainda em difusão, que está completando 90 anos de história em 2025, a jornalista é reconhecida pela habilidade em encontrar personagens que dão humanidade às reportagens e pela paixão com que vive o jornalismo.

Em Brasília, ela é chamada de Rose, mas em Xapuri continua sendo a Rosinha, “a filha do Chico Evangelista”, como ela costuma dizer com orgulho. O pai, figura marcante na cidade, foi um verdadeiro homem de múltiplas vocações. “Eu costumo dizer que lá em Xapuri, meu pai só não foi padre nem médico”, brinca Rosineide.

De fato, Francisco Evangelista de Abreu era um polivalente. Foi radialista, comentarista esportivo, trabalhou no Instituto de Identificação Raimundo Hermínio de Melo — da Secretaria de Segurança Pública —, vereador, presidente da Câmara Municipal, dirigente esportivo apaixonado pelo Vasco da Gama a ponto de ter criado um time da cruz de malta local, e até delegado de polícia substituto, nos momentos em que o titular se ausentava da cidade.

Sua presença ativa e curiosa inspirou a filha, que, ainda criança, ouvia a Voz do Brasil ao lado dele, sem imaginar que um dia faria parte daquele universo sonoro. “Cresci ouvindo rádio com ele. O sinal da Nacional chegava fraco, mas a gente insistia pra ouvir a Voz do Brasil. Nunca imaginei que um dia estaria dentro daquele mesmo programa”, lembra Rosineide.

Da sala de aula para o telex

Rosineide concluiu o ensino médio e o curso de magistério na escola Padre Felipe Galerani, que funcionava no prédio da escola Divina Providência, em Xapuri. O sonho era ser professora ou bancária, mas o destino a levou a outro caminho. Em 1985, mudou-se para Rio Branco e foi contratada como operadora de telex pela extinta Empresa Brasileira de Notícias (EBN), por indicação de uma amiga. “Eu ligava quase todo dia pra saber se tinha alguma novidade. Acho que entre tantos currículos, o chefe acabou percebendo minha vontade de trabalhar. E foi assim que tudo começou”, conta.

Na época, o Acre ainda não tinha curso de Jornalismo. O aprendizado vinha na prática, com o apoio dos colegas mais experientes. “Os jornalistas mais antigos nos ensinavam o que sabiam. Lembro do Zé Leite, que era editor do Jornal Rio Branco, e do Campos Pereira, que pegava material com a gente na EBN. Foi ali que aprendi o que é fazer jornalismo de verdade”, recorda.

Em pouco tempo, Rosineide já ajudava nas produções, acompanhava repórteres e cobria eventos importantes — entre eles, eleições e o julgamento de Chico Mendes, conterrâneo e símbolo da luta ambiental. “Foram anos de muito aprendizado. Era tudo mais difícil, mas a gente dava um jeito. Hoje é tudo mais fácil, mas naquela época o jornalismo era feito na raça”, reflete.

Transferida para Brasília no fim dos anos 1990, ela consolidou a carreira na produção da Voz do Brasil, tornando-se referência pela habilidade de encontrar personagens em locais improváveis. A rotina intensa nunca a fez desistir. “Sempre acreditei que vale a pena insistir. Se você quer uma coisa, tem que correr atrás, não pode desistir no primeiro obstáculo. Foi assim que construí uma carreira com base sólida”, afirma.

Trabalho como terapia e legado familiar

A jornada também foi marcada por superação. Aos 39 anos, enfrentou um câncer e ouviu da médica que talvez fosse hora de parar. Mas ela decidiu continuar. “O trabalho sempre foi minha terapia. Estar entre colegas, conversando com as pessoas, produzindo matérias — isso me fazia bem, me mantinha viva.”

Hoje, prestes a completar 60 anos, Rosineide vive um momento de reconhecimento. Em 2025, o mesmo número cinco que marca etapas da sua vida — nascida em 1965, contratada em 1985 — se repete em um ano de celebrações. “Foi um ano de reconhecimento. A Voz do Brasil completou 90 anos, eu completei 25 anos na produção do programa e recebi homenagens tanto na empresa quanto no Congresso Nacional. Tudo parece se encaixar”, diz, com gratidão.

Orgulhosa de suas raízes, a filha de dona Francisca Rodrigues da Costa, outra figura marcante de sua vida, costuma lembrar de onde veio para entender aonde chegou. “Uma vez, um psicólogo da empresa perguntou de onde eu vim e pra onde eu ia. Eu respondi: vim de Xapuri, e hoje estou em Brasília, no centro da política, no coração onde tudo acontece. Trabalho numa empresa pública que faz comunicação governamental. Isso pra mim é um orgulho enorme.”

Mais do que uma história profissional, a trajetória de Rosineide Evangelista é também uma mensagem de perseverança. “Quero que minha história sirva de inspiração para o pessoal aí do Acre, pra quem está começando, pra quem se sente desanimado. Eu saí de Xapuri, e cheguei até aqui. É possível, sim, quando a gente acredita”, enfatiza.

O amor pelo rádio e pela comunicação, herdado de Chico Evangelista, parece correr nas veias. Assim como o pai, Rosinha enxerga na comunicação um instrumento de aproximação e transformação. De Xapuri a Brasília, do telex ao WhatsApp, ela transformou o ofício de produtora em arte de ouvir e conectar pessoas em um percurso honra as raízes familiares e reafirma o papel da comunicação pública como espelho da diversidade e da força do povo brasileiro.

sexta-feira, 31 de outubro de 2025

O sonho que venceu a descrença e virou realidade

Ponte sobre o Rio Acre, em Xapuri. Foto: Diego Gurgel/Secom










Há sonhos que persistem mesmo quando o tempo parece conspirar contra eles. Sonhos que resistem às ironias, ao ceticismo e à descrença dos que veem o progresso como uma extravagância fora de lugar. Prestes a ser inaugurada, a ponte sobre o Rio Acre, que liga o centro de Xapuri ao bairro Sibéria, é um desses sonhos. Durante décadas, ela existiu apenas como um desejo coletivo, uma esperança guardada nas duas margens do rio.

As promessas pela sua construção nunca passaram de sussurros e vozes esparsas que se dissipavam com as trocas de governo e o esquecimento político. Somente com a chegada do governador Gladson Cameli ao comando do Estado, em 2019, é que o sonho encontrou ação efetiva, decisão e compromisso real com a sua concretização. Naturalmente, o ceticismo prosseguiu, mas com o passar do tempo os pilares da ponte ergueram-se do chão e deram lugar à esperança.

O bairro Sibéria é historicamente um espaço habitado por famílias trabalhadoras, seringueiros e descendentes de comunidades tradicionais. O nome da comunidade pode ser casual, mas ele expressa, de certa forma, a sensação de isolamento que seus moradores enfrentam há décadas. O acesso ao centro de Xapuri depende, desde sempre, de pequenas embarcações, as catraias e balsas, o que faz o deslocamento cotidiano difícil, especialmente em períodos de cheia ou estiagem severa.

Na linha do tempo da incessante luta pela ponte, houve sempre uma ambiguidade de sentimentos a dominar a população: as pessoas não deixaram de sonhar, mas aprenderam a olhar com cautela as falas políticas a respeito do assunto. Em textos e reportagens sobre o tema, é comum perceber um tom de melancolia e resistência, onde o povo de Xapuri reafirma seu desejo de progresso sem abrir mão da memória e da identidade local.

A tão sonhada ponte simboliza, portanto, muito além de uma estrutura física, muito mais do que toneladas de aço e concreto: ela representa integração, dignidade e igualdade de oportunidades. A travessia do rio é, para muitos, uma metáfora da distância social e econômica que ainda separa os dois lados da cidade.

A ponte sobre o Rio Acre não será apenas um marco urbanístico, mas também um gesto de reconciliação com o próprio tempo histórico de Xapuri, cidade marcada pela luta de Chico Mendes e por um legado de resistência amazônica, mas que também enxerga com otimismo outras atividades como a pecuária e a agricultura familiar que já deu ao município o título de melhor café do Acre em 2025.

Para muitos, a obra tem o valor de honrar o passado e projetar o futuro: ligar o centro histórico ao bairro Sibéria seria unir também as duas faces de Xapuri: a tradicional e a contemporânea, a que vive do  extrativismo sustentável e a que busca novas formas de desenvolvimento.

Com a ponte, haverá melhora imediata na mobilidade urbana e rural, acesso mais rápido a serviços públicos (como saúde e educação) e fortalecimento do comércio local e do escoamento da produção agrícola. Além disso, o turismo — já impulsionado pela história de Chico Mendes — poderá se beneficiar da melhor integração das áreas urbanas.

Mas, mais do que tudo, a ponte será uma espécie de “obra de reparação” com os moradores da Sibéria, que durante décadas foram vistos como cidadãos à margem do cenário social local. O sonho da ponte de Xapuri é, na essência, o sonho de uma cidade que busca conectar-se consigo mesma. É o desejo de atravessar não apenas um rio, mas as barreiras históricas de desigualdade e esquecimento. De olhar de uma margem à outra e enxergar um mesmo horizonte de possibilidades.

É preciso, contudo, compreender que a ponte — embora monumental em significado — não é a redenção de Xapuri. Ela representa um avanço histórico, mas não encerra as carências que o município ainda enfrenta. A cidade precisa continuar sonhando e lutando por obras que consolidem seu desenvolvimento: um hospital moderno, adequado à realidade local; projetos de urbanização e saneamento; e políticas públicas capazes de garantir qualidade de vida e oportunidades para todos. A travessia, portanto, não termina com a ponte. Ela apenas começa.

Artigo publicado no Portal Acre no dia 26 de outubro de 2025. 

quinta-feira, 30 de outubro de 2025

O café que floresceu em Xapuri


A cerca de três quilômetros da zona urbana de Xapuri, saindo do bairro Sibéria, chega-se a uma pequena propriedade que há pouco mais de uma semana ganhou destaque no noticiário estadual. Foi de lá que saiu o café vencedor da 3ª edição do Concurso de Qualidade do Café Robusta Amazônico do Estado do Acre (Qualicafé), promovido pela Secretaria de Estado de Agricultura (Seagri) em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e o Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Estado do Acre (Idaf).

Na área que esteve por décadas completamente improdutiva, remanescente do antigo seringal Boa Vista, margem esquerda do Rio Acre, nos limites da Reserva Extrativista Chico Mendes, ninguém mais acreditava pudesse nascer algo de valor. A região era desconhecida, o chão era duro e seco, mas os agricultores José Sebastião de Oliveira e Ilda Dias Soares, acostumados à teimosia da vida rural, sabiam que a terra sempre responde de maneira positiva a quem se dedica a trabalhar nela com amor.

Vindos de longe — ele de Santa Tereza de Goiás e ela da vizinha Minaçu, no mesmo estado —, chegaram a Rondônia no começo dos anos 1980, passando por Ji-Paraná, que ainda se chamava Vila Rondônia, depois Buritis e Nova Califórnia, já na fronteira com o Acre, sempre trabalhando na agricultura e tendo a terra como único meio de sustento. Em 2013, o casal fincou raízes em Xapuri, na Colônia Bela Vista, que tem um total de 16 hectares.

Foi o estudo dos filhos que os trouxe para essa parte do Acre. José conta que, ao saber que o município tinha um campus do Instituto Federal do Acre (Ifac), a escolha se tornou natural. “A gente pensava primeiro nos meninos. Queríamos um lugar tranquilo, que tivesse escola boa, e encontramos isso aqui”, lembra. Em pouco tempo, a rotina de trabalho tomou conta dos dias. José e Ilda começaram plantando melancia, pepino e melão — esse último, de forma pioneira em Xapuri. Entregavam o produto em supermercados de Rio Branco, como Araújo e Atacale, até que o destino os reconduziu àquilo que parecia estar escrito desde sempre: o café.

De raízes mineiras, José e Ilda carregam no sangue a ligação com o grão que, em Xapuri e em outros municípios do Acre, começa a se tornar símbolo de uma nova fronteira agrícola sustentável. O cultivo do café robusta amazônico, adaptado às condições de clima e solo da região, tem sido apontado por especialistas como uma alternativa econômica de baixo impacto ambiental, já que contribui para o reflorestamento de áreas degradadas e dispensa o desmatamento. No Acre, o crescimento da cultura foi de 7,9% apenas neste ano, e a produção deve alcançar 5,3 mil toneladas, segundo o IBGE — a segunda maior alta da agricultura acreana em 2025.

“O café é uma cultura de raiz”

Na Colônia Bela Vista, o dia começa antes do sol raiar. O silêncio da madrugada é quebrado pelo barulho que José Sebastião faz ao passar o café, denuncia dona Ilda, que só após sentir o aroma que toma conta da casa se levanta. “Eu me levanto depois dele. Eu, que sou mulher, tenho direito de gozar desse privilégio”, brinca. “A gente levanta cedo, porque o campo não espera”, diz o marido, com a convicção de quem carrega décadas de lavoura. “É dormir mais cedo para acordar mais cedo. A roça é o nosso sustento, e é dela que a gente tira tudo.”

O agricultor reforça que antes do café, vieram o pepino, o melão e a melancia. “Produzimos melão de qualidade mesmo, entregando até três toneladas para os supermercados de Rio Branco”, conta o produtor, orgulhoso de um tempo em que poucos acreditavam que o Acre pudesse produzir frutas tropicais em escala comercial. Mas foi com o café — o mesmo que o acompanhava como legado dos pais mineiros do casal — que José encontrou o rumo certo.

Eles transformaram três hectares da propriedade em uma plantação do robusta amazônico. Cuidam de cada planta com a precisão de quem entende o ciclo da natureza: do plantio à colheita, tudo é feito com as próprias mãos. “O café é uma cultura de raiz”, define José. “Tem vida longa. É um trabalho que exige paciência, porque o resultado vem devagar, mas quando vem, é bonito de ver.”

O resultado, de fato, veio. Quando o nome de José Sebastião foi anunciado como vencedor da 3ª edição do Qualicafé, no Buffet Afa Jardim, em Rio Branco, no último dia 10 de setembro, o casal demorou alguns segundos para acreditar. “É muito orgulho, muito mesmo”, disse Ilda, emocionada. “Porque a gente vive do próprio solo, é dele que vem a nossa renda. Antes a gente investia em outras culturas, mas hoje é só o café. E saber que nós vamos a uma feira internacional do café, com um café de qualidade... isso não tem preço.”

Ela fala com a firmeza de quem entende o valor da conquista — não pelo troféu, mas pelo que ele representa. “Ganhar o prêmio é importante, claro. Mas mais importante é ter a certeza de que o nosso café tem qualidade, que ele vai ser entregue com orgulho. A gente conquistou esse patamar com muito esforço, com certificado, com avaliação técnica. Isso mostra que qualquer produtor pode chegar lá, desde que lute e siga passo a passo. É experiência, é acreditar.”

“Café também é coisa de mulher”

Entre as fileiras verdes da lavoura, não há espaço para hierarquia. O trabalho é dividido, e as decisões também. Dona Ilda faz questão de dizer que o sucesso da família não seria possível sem o protagonismo feminino no campo — algo que, para ela, ainda precisa ser mais reconhecido. “A mulher sempre esteve presente na roça, mas muitas vezes invisível”, afirmou durante entrevista que concedeu à Rádio Aldeia FM de Xapuri na última sexta-feira, 17. “A gente planta, colhe, cuida da casa, ajuda na gestão. Eu participo de todas as decisões, desde o manejo até a venda. É importante mostrar que o café também é coisa de mulher.”

O orgulho com que dona Ilda fala é o mesmo de quem sente que a vitória representa muitas outras agricultoras. O prêmio no Qualicafé, mais do que um título, é também um símbolo da presença feminina no campo, cada vez mais destacada e reconhecida, rompendo uma tradição que por muito tempo reservou o protagonismo de maneira exclusiva aos homens. Ela falou sobre isso em recente evento que reuniu mulheres ligadas ao setor rural, o 1º Encontro das Mulheres do Agro de Xapuri.

Das margens do Rio Acre para o mundo

Desde o anúncio da vitória no Qualicafé, a rotina na Colônia Bela Vista ganhou outro ritmo. Entre o cuidado com as mudas e a preparação para a próxima safra, o casal também encontra tempo para responder a telefonemas, conceder entrevistas e fazer planos. “A gente ainda está se acostumando com tudo isso”, confessa José, sorrindo. “Mas é bom ver que o nosso trabalho chamou atenção. A gente faz tudo com carinho, e agora o povo está vendo o valor do café de Xapuri.”

No início de novembro, José Sebastião e Ilda viajam para Belo Horizonte, onde vão representar o Acre, junto com os outros 14 finalistas do Qualicafé, na Semana Internacional do Café (SIC) — um dos maiores eventos do setor na América Latina. É lá que produtores, torrefadores, exportadores e baristas de várias partes do planeta se encontram para discutir tendências, trocar experiências e, claro, provar os melhores cafés do Brasil.

“É um orgulho sem tamanho”, diz Ilda, com um brilho nos olhos. “Saber que o nosso café, feito aqui, com tanto esforço, vai estar lado a lado com cafés de Minas, do Espírito Santo, do mundo todo. E mais bonito ainda é pensar que vem da nossa terra, de Xapuri. A gente vai representar o Acre com amor, com responsabilidade e com fé.”

Ela fala com entusiasmo de quem sabe que o prêmio é só o começo. Já há contratos firmados para exportação — destinos improváveis para um café nascido no coração da floresta: China, Cingapura, Emirados Árabes, Bélgica. “Não é previsão, é certeza”, diz com convicção. “Isso é fruto de trabalho, de acreditar e de respeitar a natureza. É o nosso jeito de viver: plantar, colher e agradecer.” Atualmente, os produtores estão trabalhando com os processos burocráticos de registro da marca do café, com o suporte do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural — SENAR. 

O ânimo com a vitória no concurso acreano não impede, contudo, que o casal de agricultores registre as dificuldades e a falta de estrutura para o transporte e o processamento do café que produzem. Um exemplo claro disso é a falta de uma usina de torrefação de café no município, o que os obriga a transportar a produção até Acrelândia para passar por esse processo. Isso não significa, porém, que o apoio estatal esteja totalmente ausente.

O apoio do Estado e do Município

O avanço da cafeicultura no Acre tem tido apoio direto do Governo do Estado e das prefeituras, que vêm investindo em tecnologia, capacitação e sustentabilidade. A Secretaria de Estado de Agricultura (Seagri) lidera as ações, com destaque para o Concurso de Qualidade do Café — Qualicafé, que vem revelando talentos locais e projetando o Acre no cenário nacional dos cafés especiais.

Entre as iniciativas, o Programa Solo Fértil tem papel estratégico ao melhorar a qualidade do solo e aumentar a produtividade de forma sustentável. “Esse é o momento de o Acre dizer ao mundo que produz café — e café de qualidade. Isso elevou o nosso estado a um patamar diferenciado, até porque as pessoas começam a entender o valor do nosso produto”, afirma o secretário José Luiz Tchê em reportagem produzida pela estatal Agência de Notícias do Acre.

Em Xapuri, a Prefeitura aposta na agricultura familiar como alternativa econômica ao desmatamento e tem colocado em prática um programa de destoca e mecanização de áreas voltadas para a agricultura familiar. De acordo com o secretário municipal Eliomar Soares, o Galêgo, o sucesso de produtores como José Sebastião e Ilda mostra que é possível produzir com qualidade e preservar a floresta. “Aquela área ficou improdutiva por muitos anos e agora, com a chegada das famílias e o apoio da gestão pública, voltou a ter vida e sentido. Os verdadeiros donos são as pessoas que moram, produzem e transformam o que antes era degradado em uma área fértil”, enfatizou.

O reconhecimento do casal vem em um momento em que a cafeicultura acreana dá passos largos. Cultivado em 19 dos 22 municípios, o café robusta amazônico tornou-se uma das grandes apostas do estado para unir desenvolvimento econômico e preservação ambiental. Em Xapuri, esse equilíbrio é visível: cada pé de café plantado por José e Ilda é também um gesto de reflorestamento, uma prova de que é possível produzir sem derrubar a floresta.

Futuro com gosto de esperança

Perguntado sobre que mensagem deixa para outros produtores que buscam sucesso no cultivo do café, ele filosofa: “A terra é a nossa mãe. Tudo que a gente planta nela, ela devolve, se a gente cuidar direito.” O conselho, diz ele, vale para quem quiser seguir o mesmo caminho. “Não é só plantar porque o outro está plantando. É dedicar de verdade, ter amor pelo que faz.” Para ele, o café é mais do que uma cultura — é um modo de vida, uma promessa de futuro. “O café é diferente. Você colhe, guarda, ele espera por você. É uma cultura de paciência e de acreditar no futuro.”

É essa fé que move o casal José Sebastião e Ilda a sonhar com o que vem pela frente: ver mais famílias produzindo, uma pequena indústria surgindo em Xapuri, e o nome da cidade ganhando o mundo pelas mãos de quem planta com o coração. Porque, no fim das contas, o que floresce em Xapuri não é apenas o café, mas a certeza de que, com trabalho, união e amor pela terra, a floresta pode continuar de pé e o futuro pode ter, realmente, um gosto de esperança.

Reportagem especial publicada pelo Portal Acre no dia 19 de outubro de 2025.

sábado, 17 de maio de 2025

O Mago da Banda de Música

O músico xapuriense Antônio Cosmo da Rocha, o Magão – ou Magrão, como ele mesmo deixa escapar com um sorriso discreto que prefere ser chamado - aquele mesmo que o inesquecível Wando Barros denominava de “Mago” – é da rara estirpe dos que vivem da música e, mais do que isso, vivem para a música.
Cinquenta anos se passaram desde que ele ingressou, ainda jovem, na Banda Municipal Dona Júlia Gonçalves Passarinho. Meia década de dedicação ininterrupta a um dos mais respeitáveis patrimônios culturais do município. Ali, entre trompetes, clarinetes e tambores, Magão escreveu sua história com a paciência dos que sabem que a beleza verdadeira é feita de constância e entrega.
Mas seu amor pela música nasceu muito antes, lá nas cabeceiras do Rio Xapuri, no Seringal Nazaré. Um menino de seis anos chegou à colônia Sumaré carregando nos olhos o verde da mata e no peito uma inquietude melódica herdada do irmão mais velho, José Carlos da Rocha, mestre de muitos instrumentos e grande incentivador. Com apenas 10 anos, Magão já arriscava as primeiras notas; com 17, veio para a cidade, e dali em diante sua jornada sonora ganhou o mundo – ou, pelo menos, tornou o mundo um pouco mais belo onde quer que ele tocasse.
Na virada dos anos 70, integrou o conjunto The Super Sonic, ao lado de outros talentos que deixariam marcas na cena local, como Adalcimar, Náder Sarkis e Luiz Brejeira. E como se não bastasse, em 2008, criou o inesquecível projeto Resgate Cultural Baile Show “De Siderais a H-UELEM”, um verdadeiro ato de resistência e celebração da memória musical de Xapuri. Em 2012, levou ao palco do Festival Acreano de Música a canção “20 anos sem Chico”, uma homenagem comovente ao líder sindical que transformou a história da cidade – e com ela, a de todos nós.
Mas Magão não é só história, é também raiz e herança. Pai de Michelle, Lennon e Arathana, perpetuou a paixão pela música nos filhos – os dois primeiros foram membros do grupo H-UELEM “Nova Geração”. Com a companheira de vida, Evanildes Oliveira, construiu não apenas uma família, mas um pequeno coral de afetos que acompanha cada acorde que ele ainda insiste em tocar.
Recentemente, amigos de longa data organizaram uma festa “quase surpresa” para celebrar sua trajetória de 50 anos na lendária Banda de Música. O gesto, liderado pelo também músico Carlinhos Castelo, que tem feito um reconhecido trabalho de valorização da “Dona Júlia”, é reflexo do carinho e da reverência que Xapuri tem por esse homem que, com sua humildade e talento, ajudou a moldar a identidade cultural da cidade.
Magão é, sim, um militante da música. Mas mais que isso: é um guardião do som que ressoa entre as palmeiras e os rios, entre a memória e o futuro. Seu legado não cabe numa partitura – ecoa nas ruas, nas escolas, nos corações daqueles que sabem que a verdadeira revolução começa quando alguém decide fazer da sua vida uma canção. E que privilégio o nosso poder ouvir essa canção há 50 anos.

domingo, 11 de maio de 2025

O tempo que cura silêncios


A vida, às vezes, nos costura com linhas tortas, pontos soltos, arremates incertos — e, ainda assim, forma algo belo. Como quem acompanha minhas publicações já está cansado de saber, não fui criado por minha mãe biológica, e essa ausência, esse vácuo de origem, cavaram em mim marcas profundas. 

Cresci com um peso que eu não sabia nomear, uma espécie de exílio interior. No lar que me acolheu, tive amor, sim. Tive colo, pão, cuidado e, acima de tudo, conselho. Mas o afeto, por mais sincero que seja, nem sempre consegue vencer o abismo do que nos falta.
Minha segunda mãe — essa mulher de alma imensa — me deu tudo o que pôde. Com ela aprendi o que é segurança, o valor do abraço que permanece mesmo quando o mundo parece ruir. Mas havia em mim uma mágoa muda, uma pergunta sem resposta, um espinho fincado na carne da memória: por que fui deixado?
Arrastei esse sentimento como quem carrega uma mala cheia demais por uma estrada muito longa. E, ainda assim, segui. Segui por amor à vida, por obstinação, talvez por esperança. Tornei-me o que sou: alguém feito de lacunas, mas também de reconstruções.
O dia em que reencontrei minha mãe biológica foi como abrir uma carta esquecida por décadas. Cada palavra sua era um fio puxado do novelo de minha história. Pela primeira vez, ouvi o silêncio dela com ouvidos atentos. Compreendi, com o coração já mais amadurecido, que o amor também pode se expressar na dor da ausência, na renúncia feita não por fraqueza, mas por desespero. Maria Virgínia — esse nome agora me habita com outra temperatura. Ela me amou, mesmo de longe, mesmo no escuro.
E Zizi — Ricarda Figueiredo — foi a mulher que sustentou meu caminhar. Com ela aprendi que ser mãe não é apenas dar à luz: é iluminar o caminho do outro, mesmo quando se caminha na penumbra.
Hoje, com olhos mais brandos e alma menos rígida, vejo a maternidade em suas múltiplas formas. Não precisei compreender tudo — e nem poderia. Mas aprendi que amar é, às vezes, aceitar o que não se explica. Que a vida não vem com roteiro, e que o amor não se mede por presença constante, mas pela marca que deixa — seja no gesto, na ausência, ou na memória que resiste.
Neste dia, ergo o coração em homenagem a essas duas mulheres que me deram vida, cada uma à sua maneira. A elas, meu amor inteiro, sem reservas. Porque, afinal, o amor mais verdadeiro talvez seja esse: aquele que não exige explicações para existir.
Obrigado, mães. Por tudo.

quinta-feira, 1 de maio de 2025

O comércio do Acre em 1915

No início do século XX, a cidade de Xapuri, situada no coração do Território Federal do Acre, era uma das principais sedes urbanas da região, marcada pelo dinamismo do ciclo da borracha e pelas transformações sociais que este proporcionava. As edições de junho e outubro de 1915 do jornal o Commercio do Acre revelam um panorama expressivo da atividade comercial local, destacando comerciantes, produtos, serviços e até mesmo o surgimento de iniciativas fabris que começavam a moldar o perfil urbano da cidade.

O comércio xapuriense em 1915 mostrava-se diversificado e abastecido, com casas comerciais que ofereciam desde tecidos e calçados até gêneros alimentícios importados e artigos de luxo. O estabelecimento Bon Marché se destacava pela variedade de produtos anunciados: oferecia calçados para todas as idades e gêneros, além de uma ampla gama de tecidos e miudezas. Este tipo de casa comercial funcionava como verdadeiro armazém geral, atendendo às mais variadas necessidades da população urbana e dos seringais da região.

Outro exemplo notável é o espólio do comerciante Bartholomeu Girão, levado a praça judicial, cuja extensa lista de mercadorias revela o perfil do comércio local. Entre os bens estavam charutos, cigarros, fitas de seda, tecidos nacionais e importados, sabonetes, bebidas alcoólicas finas (como vinho do Porto e uísque), produtos alimentícios (bolachas, sardinhas, arroz, banha, leite condensado) e até munições e material de pesca. Essa diversidade de itens evidencia a complexa rede de abastecimento da cidade, sustentada pelas vias fluviais e pela intensa circulação de mercadorias entre os centros urbanos e os seringais.

O comércio também mantinha conexões regionais e interestaduais. O comerciante Antonio Alves, filho, representava a firma Ferreira & Jobin, de Capatará, e o nome de Bellarmino Freire, atuante em Paraguassú, aparece entre os visitantes comerciais da cidade, ilustrando o fluxo constante de agentes de negócios. O Capitão Júlio Mascarenhas, além de atuar como responsável pela propaganda do jornal, esteve envolvido com o recenseamento da população, demonstrando a sobreposição frequente entre as esferas administrativa e comercial.

Entre as iniciativas de destaque, merece especial atenção a Fábrica Aurora, que se revelava como um empreendimento multifuncional, símbolo de um novo perfil urbano e fabril da cidade. Em 1915, a Aurora não apenas produzia bolachas de água e sal e soda, mas também ampliava significativamente sua atuação: fabricação de cigarros e gelo; torrefação de cafés, oferecendo café moído de fabricação própria; grande variedade de marcas de vinhos para mesa, sobremesas e licores, indicando um público consumidor com gostos refinados; jogos de bilhar e entretenimento no local, revelando que o espaço também servia como ponto de encontro e lazer; e uma menção especial serviços de iluminação elétrica pública e particular ato notável numa época em que tal infraestrutura era limitada, o que reforça o caráter moderno e inovador do estabelecimento.

A Fábrica Aurora ia, portanto, além da produção: representava um espaço de sociabilidade e consumo, com múltiplas funções comerciais, industriais e recreativas. Isso a tornava um verdadeiro marco na vida cotidiana de Xapuri, antecipando os moldes de empresas urbanas multifacetadas.

Outro aspecto relevante da vida na cidade era a presença de serviços médicos qualificados. O Dr. Luiz Abinader, médico-cirurgião com formação e prática nos hospitais de Beirute e Paris, atendia à população com especialização em moléstias nervosas, doenças internas e da pele. Notavelmente, oferecia atendimento gratuito aos pobres, uma postura humanitária rara e digna de registro, que demonstra a complexidade social de Xapuri naquela época.

Em síntese, o comércio de Xapuri em 1915 reflete não apenas uma economia extrativista, mas uma sociedade em transição, aberta à modernização e às novidades do mundo urbano. O dinamismo comercial, a presença de agentes regionais, os primeiros sinais de industrialização e os compromissos sociais de figuras como o Dr. Abinader e os empreendedores da Fábrica Aurora compõem um quadro vibrante de uma cidade amazônica que, mesmo isolada, pulsava com o desejo de progresso e sofisticação.

Fonte: Commercio do Acre, jornal publicado em Xapuri. O ano é 1915. Acervo digital da Biblioteca Nacional.

sexta-feira, 18 de abril de 2025

O dia em que Xapuri vestiu as suas melhores cores - Uma crônica que nunca foi escrita

 

Naquela manhã de domingo, Xapuri acordou mais cedo. A alvorada parecia diferente. O canto dos pássaros, mais afinado; o perfume da mata, mais doce. As crianças já sabiam de cor o hino, e os operários, orgulhosos, davam os últimos retoques na sede que, com muito suor e sacrifício, haviam ajudado a erguer. Era dia de festa. Um dia em que a pequena cidade do Acre se enchia de grandeza.

Era 1948, e Xapuri vivia um de seus momentos mais simbólicos. O novo prédio do Grupo Escolar “Plácido de Castro” seria inaugurado com toda a pompa possível. Um edifício imponente, erguido com perseverança ao longo de anos, em meio a promessas, pausas e retomadas. Um símbolo do que a educação representa: paciência, esforço, esperança.

A cidade parou para receber o governador José Guiomard dos Santos e sua comitiva. Um povo simples, de fala mansa e espírito forte, fez da recepção um espetáculo de civismo. Bandeiras tremulando, fogos estalando, e no coração de cada xapuriense, a certeza de que algo importante estava acontecendo.

Teve missa campal, discursos inflamados, saudações escolares. A menina Maria Angelina Fecuri, em sua voz pequena mas firme, entregou simbolicamente a chave do novo educandário. Era mais que uma cerimônia: era o gesto de uma geração que entregava à outra o futuro sonhado.

O Centro Operário também teve seu brilho. Seus membros homenagearam o governador com o título de sócio benemérito. A fala do operário Clovis Barros França, simples e emocionada, soou como poesia nas paredes recém-construídas da sede. Era a força do povo reconhecendo quem estendia a mão — e pedindo, com respeito, que a ajuda continuasse.

Naquela tarde, as palavras foram mais que formalidades. Elas eram sementes. “Glória a Deus nas alturas e paz na Terra aos homens de boa vontade”, disseram alguns. Outros, mais diretos, apenas agradeceram pelas máquinas, pelas escolas, pelas estradas. Todos, no entanto, sabiam: aquele dia era um marco.

E, de fato, foi.

Porque ali, naquele chão de histórias e seringais, uma cidade que já havia escrito capítulos de coragem voltava a reafirmar sua vocação para a liberdade, para a educação, para o futuro.

Xapuri, naquele domingo, vestiu suas melhores cores.

E sorriu.

A foto acima é do fotógrafo húngaro Tibor Jablonsky, do IBGE. Ele fotografou várias regiões do Brasil em seu trabalho profissional. Chegou ao Brasil em 1948 com 24 anos. O jovem foi contratado pelo IBGE para compor a equipe de fotógrafos profissionais que acompanhavam as expedições geográficas do Instituto pelo país. O olhar fotográfico de Jablonsky, que chegou a chefe do Laboratório de Fotografia logo se tornaria complemento indispensável aos grupos de pesquisadores que percorriam o Brasil em busca de um registro geofotográfico ainda inexistente. Em pouco mais de uma década e meia (1952-1968), período durante o qual Tibor Jablonsky acompanhou geógrafos excursionando pelo país, foi reunido um admirável acervo de 9.254 fotos para o Arquivo Fotográfico do IBGE. 


A inauguração do Grupo Escolar “Plácido de Castro” em 1948

A cidade de Xapuri testemunhou em maio de 1948 um dos momentos mais simbólicos de sua história cívica e educacional: a inauguração do novo prédio do Grupo Escolar “Plácido de Castro”. Mais do que um evento oficial, a solenidade marcou o fortalecimento de uma identidade construída com luta, esperança e o desejo coletivo de ver a cidade crescer pelo caminho do saber.

Com a presença do então Governador do Território do Acre, major José Guiomard dos Santos, e de diversas autoridades, Xapuri viveu um domingo inesquecível. Desde o hasteamento da bandeira ao som do Hino Nacional, até a missa campal celebrada pelo padre Felipe Galerani, tudo foi preparado com esmero e emoção. Alunos, professores, religiosos, comerciantes, operários e donas de casa tomaram conta da praça Barão do Rio Branco para saudar o futuro.


A menina Maria Angelina Fecuri, aluna do Grupo Escolar, protagonizou um gesto que simbolizou toda uma geração: entregou ao governador a chave do novo prédio, em nome de todas as crianças xapurienses que sonhavam com uma escola digna. Era a representação viva de que a educação não é apenas uma política pública — é um pacto social.


Um prédio, muitas histórias


O novo grupo escolar foi projetado em 1942, ainda no governo do coronel Luis Silvestre Gomes Coelho, e sua construção levou anos até ser concluída. Passou por administrações e reformas, enfrentou escassez de recursos, mas nunca perdeu o apoio da comunidade. O edifício recebeu o nome de “Plácido de Castro”, em justa homenagem ao herói da Revolução Acreana, reafirmando os laços históricos e afetivos da cidade com sua própria origem.


Ao discursar na cerimônia, o prefeito Minervino Bastos emocionou os presentes ao destacar que aquele prédio era uma “maravilha para a cidade, nestes confins do Oeste do Brasil”. Um edifício que simbolizava o esforço de todos — do operário ao engenheiro, do aluno ao administrador público — na construção de um território mais justo e alfabetizado.


A força dos operários e o civismo da juventude


O dia também foi marcado por homenagens ao governador. O Centro Operário de Xapuri lhe conferiu o título de “sócio benemérito”, em reconhecimento ao apoio dado à entidade. O discurso emocionado do presidente Clovis Barros França, homem simples e de fala humilde, deu o tom da cerimônia: “Para o Centro Operário de Xapuri, o dia de hoje representa a maior data de sua história”.


Outro momento marcante ocorreu no Instituto Divina Providência, onde alunas se apresentaram em números de canto e dança, e onde o governador foi saudado com flores e versos pelas crianças da instituição dirigida por irmãs religiosas. A festa mostrou que educação, fé, cultura e cidadania caminham juntas na formação das futuras gerações.


Um legado que inspira


Setenta e cinco anos depois, o registro desse episódio nos permite mais do que recordar. Ele nos convida a refletir sobre o papel da escola pública, da união entre poder público e comunidade, e da importância de valorizar a memória de nossa terra. A inauguração daquele grupo escolar não foi apenas a entrega de uma obra — foi a reafirmação de que Xapuri acredita na educação como caminho de transformação social.


Num tempo em que o Acre ainda dava seus primeiros passos institucionais, Xapuri mostrou, mais uma vez, que é feita de coragem, coletividade e visão de futuro.


E, como dizia o jornal O Acre, na edição de 30 de maio de 1948: 


“Era o povo todo em festa, saudando o novo tempo que chegava pelas portas de uma escola”.

quinta-feira, 10 de abril de 2025

De forasteiro a guardião da memória: Xapuri recorda o legado do "Prezado" Antônio Zaine

Nesta quinta-feira, 10 de abril, Xapuri recorda com saudade e profunda gratidão a partida de Antônio Assad Zaine, o inesquecível "Prezado". Há dez anos, a "Princesinha do Acre" perdia um de seus mais dedicados cronistas, um homem que, embora nascido longe destas terras, abraçou a história e a cultura local com uma paixão contagiante, tornando-se um pilar fundamental na preservação da memória da cidade e de todo o Acre.

Durante muitos anos, para quem visitava Xapuri, uma parada na Casa Kalume era uma imersão na própria história do município. A antiga casa aviadora, outrora coração do comércio de borracha que impulsionou a economia local, transformou-se, pelas mãos de um visionário, em um vibrante centro de memória. 

Foi o paulista de Corumbataí, Antônio Assad Zaine, carinhosamente apelidado de "Prezado" pela comunidade, quem viu nesse espaço adormecido o potencial para resgatar e apresentar as ricas narrativas que moldaram Xapuri.

Chegado ao Acre em 9 de julho de 1954, a convite do primo Jorge Kalume, o jovem Antônio encontrou aqui não apenas a beleza da região, mas um lar. Xapuri o cativou, e ele retribuiu esse afeto com mais de meio século de dedicação incansável. 

Enquanto o modelo comercial da aviação declinava, "Prezado" percebeu a urgência de preservar os vestígios desse passado glorioso e da vida cotidiana que o acompanhava.
Com a persistência admirável de quem ama o que faz, Antônio Zaine preencheu esse vazio, transformando a Casa Kalume em um museu informal, um tesouro de elementos da vivência acreana. 

De forma cronológica e intuitiva, ele organizou um acervo que narrava a trajetória da cidade, desde a chegada dos primeiros nordestinos até os eventos contemporâneos, passando pelo marco da Revolução Acreana.

Entre as paredes carregadas de história, conviviam rifles "papo-amarelo" da Revolução, instrumentos dos seringueiros, artefatos indígenas, a elegância de vasos europeus e a simplicidade de ferros de passar à brasa e fogões a lenha, objetos que evocavam o modo de vida dos antepassados. 

A atenção de "Prezado" estendia-se também à memória impressa, com uma impressionante coleção de recortes de jornais e revistas antigas, testemunhas dos acontecimentos políticos e sociais que marcaram a história de Xapuri e do Acre, incluindo registros visuais raros do desenvolvimento da cidade.

À medida que o acervo crescia, impulsionado pela generosidade dos moradores que confiavam a "Prezado" seus objetos antigos, o espaço da Casa Kalume tornou-se insuficiente. Com a mesma dedicação, ele expandiu o museu para o antigo armazém de borracha e para a casa de sua sogra, transformando cada item encontrado em uma valiosa peça de memória.

A luta inglória de Antônio Zaine para oficializar a Casa Kalume como museu era um reflexo de seu compromisso em garantir a perenidade desse legado. Seu desejo era ver o espaço adequado e preservado para as futuras gerações. Seu trabalho e amor por Xapuri e pelo Acre transcenderam as fronteiras locais, sendo reconhecidos em todo o Brasil.

Dez anos passados da sua partida, o legado de Antônio "Prezado" Zaine, infelizmente, reside mais na memória de algumas pessoas atentas ao valor do trabalho realizado por ele que na antiga Casa Kalume. Em 2015, o ano em que Xapuri lamentou a perda do querido "Prezado", a cidade enfrentou uma dura realidade: a maior enchente do Rio Acre em sua história. A força das águas impiedosas invadiu a antiga casa aviadora e, tragicamente, destruiu grande parte do acervo que ele havia reunido com tanto esmero ao longo de décadas.

Contudo, Antônio Zaine permanece vivo na lembrança das pessoas, nas muitas histórias que ficaram, como uma das personagens mais importantes da cidade que o adotou como um de seus filhos mais ilustres. Sua dedicação, mesmo sendo um "forasteiro" de nascimento, demonstra que o amor por uma terra e sua história não conhece fronteiras, mas se enraíza na alma daqueles que escolhem abraçá-la. Xapuri e o Acre jamais esquecerão o guardião incansável de sua memória: o Prezado Antônio Zaine.

quarta-feira, 9 de abril de 2025

Tesouro sonoro do início do Século XX em Xapuri

Esta relíquia pertence ao acervo de João Mendes, o Garrinha, e está em exposição no relicário instalado na Pousada Chapurys, de sua propriedade. Apaixonado pela história de Xapuri, Garrinha se dedica a resgatar objetos valiosos que muitas vezes se encontram esquecidos em velhos depósitos e fundos de quintal. É reconhecido como uma espécie de guardião da memória da cidade, mantendo viva a conexão entre o passado e o presente.

A peça rara é um fonógrafo original da marca Victrola, fabricado pela Victor Talking Machine Company, fabricado entre 1904 e 1907, nos Estados Unidos. Com sua imponente corneta externa dourada e base de madeira esculpida, representa uma das primeiras formas de reprodução sonora mecânica doméstica — muito antes da era do rádio e dos tocadores eletrônicos.

O logotipo com o famoso cão "Nipper" ouvindo a voz do dono no gramofone — registrado em 3 de fevereiro de 1904 — é um símbolo clássico da história da música gravada, conhecido como "His Master's Voice".


Este tipo de aparelho tocava discos de 78 rotações por minuto e funcionava inteiramente de forma mecânica, com corda, sem uso de energia elétrica. É conhecido como gramofone externo ou external horn phonograph, muito comum entre 1901 e 1909, antes da popularização das Victrolas com gabinete.

Com base no estilo da corneta, no braço de reprodução e na base de madeira, o aparelho é muito provavelmente um dos modelos do tipo Victor Monarch ou Victor Type M, fabricados por volta de 1904 a 1907. O logo na placa com o cão “Nipper” e a inscrição “3 de Febrero 1904” também confirma que é um aparelho desse período.

As fotos mostram um fonógrafo com corneta externa grande de metal dourado, montado sobre uma base de madeira esculpida. Isso indica que não é uma Victrola tradicional (com corneta embutida), mas sim um modelo mais antigo da própria Victor Talking Machine Co., ou até anterior ao nome “Victrola” ser usado comercialmente (em 1906). Sem nenhuma dúvida, uma raridade histórica. 


Ainda faltam informações adicionais a serem obtidas com o João Garrinha, como a quem o aparelho pertenceu, por exemplo, e como ele adquiriu a raridade - o que pretendo obter em breve nas costumeiras conversas durante o café da manhã. 

Mais do que um equipamento, este fonógrafo é um testemunho vivo do início da indústria fonográfica e da magia do som no século passado. Uma verdadeira joia da memória musical — que passou a fazer parte, também, da história de Xapuri.

'Xapuri Agora!' resiste ao tempo

Para aqueles que acompanharam a  trajetória da comunicação em Xapuri ao longo dos anos, o nome
 Xapuri Agora!, certamente evoca boas lembranças. Por um longo período, esta página se tornou um ponto de encontro virtual, um espaço dedicado a narrar as múltiplas facetas da nossa querida Xapuri e do Acre. Aqui, a cultura local tinha destaque em cada relato, personagens ganhavam vida em seus "causos", a história se desvendava em suas nuances e o cotidiano se tornava notícia e reflexão por meio de vários colaboradores.

Para mim, como profissional da comunicação, especialmente no rádio desde a mais tenra idade, o blog Xapuri Agora! foi mais que um projeto que me fez tornar um pouco conhecido: foi um laboratório de ideias, um palco para dar voz à nossa gente e um elo fundamental com a rica tapeçaria que compõe a identidade xapuriense. Ver essa página se tornar referência para outros veículos de comunicação do estado, quando o assunto era Xapuri, encheu-me de orgulho e reforçou a convicção da importância de mantermos viva a chama da nossa história e cultura.

O avanço tecnológico e a ascensão das novas mídias trouxeram consigo novos hábitos e plataformas. A praticidade do smartphone, inegavelmente, redirecionou o fluxo da informação, e o ritmo frenético das redes sociais, por vezes, ofuscou o espaço dos blogs tradicionais. Xapuri Agora!, naturalmente, sentiu esse impacto, permanecendo online, mas com o ritmo de publicações diminuído.

No entanto, a paixão por Xapuri e o desejo de continuar compartilhando suas riquezas nunca se apagaram. É com essa motivação renovada que anuncio um retorno discreto a este espaço que tanto significa para mim. Não será um retorno com a mesma frequência de outrora, mas sim com publicações pontuais, focadas em destacar o que faz de Xapuri uma das cidades mais importantes do Acre: sua história marcante, sua cultura vibrante e, acima de tudo, a força e a beleza da sua gente.

Essas novas publicações encontrarão eco nas redes sociais, alcançando novos públicos e reacendendo a memória daqueles que já acompanhavam o Xapuri Agora!. O objetivo permanece o mesmo: celebrar Xapuri, seus encantos e sua gente.

Convido a todos a ficarem atentos. Em breve, novas histórias de Xapuri voltarão a circular, unindo o legado deste espaço com o alcance das novas mídias. Afinal, Xapuri continua a inspirar, e suas histórias merecem ser contadas e compartilhadas. O agora de Xapuri pulsa forte, carregando consigo a riqueza de seu passado e a promessa de um futuro promissor para todos nós. 

Não sei até quando o Google manterá o Blogger no ar, mas enquanto essa página existir, ela será uma fonte receptiva a quem buscar por informações sobre Xapuri, essa terra mais do que especial para mim e para tanta gente.  
 

sábado, 13 de novembro de 2021

HQ reflete sobre a realidade dos seringueiros na Amazônia

Bruna Martins

Mapinguari, história em quadrinhos que tem como título a lendária criatura que protege a Floresta Amazônica dos caçadores, traz em um visual deslumbrante uma narrativa que reflete a realidade dos trabalhadores da floresta, os seringueiros. Além disso, a HQ, escrita por André Miranda e ilustrado por Gabriel Góes, também aborda questões como proteção ambiental, folclore e cultura indígena. A revista foi publicada pela FTD Educação em parceria inédita com o WWF-Brasil.

A trama é baseada no Seringal Santo Antônio, no interior do Acre, e gira ao redor do personagem José, filho do líder seringueiro que deixou sua comunidade para trabalhar na capital, Rio Branco. Uma história que aqueles que não moram em centros urbanos devem conhecer bem. 

José passa a trabalhar em uma empresa que atua na compra e venda de terras da comunidade em que cresceu e que assedia moradores de sua terra natal. Isso põe o protagonista em um dilema e conflito entre suas raízes e seu projeto de vida pessoal. Ao retornar para o seringal, José redescobre a história de sua família e os valores locais – o folclore, o movimento seringalista, a cultura indígena e as riquezas da floresta amazônica. Numa narrativa conduzida sobre a fina linha que separa realidade, mito e sonho, o ser lendário Mapinguari simboliza os mistérios incompreensíveis pela marcha do progresso que incendeia a mata.

“Desigualdade social no campo e na cidade, a devastação da Amazônia, as formas sustentáveis de economia, a relação do país com seus povos indígenas – em um enredo absolutamente literário, criação do roteirista de cinema André Miranda”, resume Bruno Rodrigues, editor de texto da FTD Educação.

Ele ainda acrescenta como a história desenvolve uma narrativa verdadeira e profunda, na qual os leitores podem se relacionar: “Brasil profundo não é mera expressão aqui; esta é uma história de raízes, desenraizamentos e novos enraizamentos. No coração da Amazônia acontece a história do protagonista José, que vive um dilema com o qual o leitor pode se identificar e aprender”.

Bruna Martins é jornalista em formação pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

Fonte: O Eco